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Manuscritos da Galáxia

Uma viagem pela memória do cinema através dos filmes e cineastas, movie stars, tv séries, salas de cinema.

Manuscritos da Galáxia

Uma viagem pela memória do cinema através dos filmes e cineastas, movie stars, tv séries, salas de cinema.

Kelly McGillis - Um cometa cheio de talento!

Rui Luís Lima, 27.10.25

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Kelly McGillis - Um cometa cheio de talento!

1. Quando o australiano Peter Weir realizou “A Testemunha”/ ”Witness”, com Harrison Ford no protagonista, imediatamente o público correu para as bilheteiras para ver o seu Indiana Jones transformado em detective. Mas com ele vinha um rosto e um nome desconhecido: Kelly McGillis!

Depois de visionado o filme de Peter Weir todos perguntavam quem era ela, quais os seus filmes anteriores, como tinha sido o seu caminho, onde tinha andado este tempo todo?

Natural de Burbank – Califórnia, Kelly McGillis sempre gostou de representar e aos quinze anos recebia prémios na escola pelas suas actuações. Como muitas colegas de profissão, trocou o futuro curso superior pela matrícula na Julliard School, para descobrir como era dura a profissão escolhida. Ainda aluna e tendo em conta os seus dotes, foi convidada para participar ao lado de Tom Conti na película “Reuben, Reuben”.

Após concluído o curso, o cineasta australiano Peter Weir ofereceu-lhe a possibilidade de interpretar a figura de Rachel Lapp, uma jovem viúva Amish. O desafio era grande e as dificuldades enormes, mas Kelly McGillis não virou costas. O seu cabelo louro desapareceu, o seu corpo perdeu as formas, escondido debaixo das roupas e até o seu olhar se modificou. Leu tudo o que encontrou sobre a comunidade Amish, tendo sido na estrutura linguística que encontrou mais dificuldades.

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“A Testemunha” / “Witness” é um dos melhores filmes de Peter Weir, mas sem Harrison Ford e Kelly McGillis seria difícil alcançar o êxito obtido em todo o mundo, incluindo dois Oscars (Melhor Argumento e Melhor Montagem). A excelente interpretação de Harrison Ford também foi nomeada para o Oscar de Melhor Actor, mas não venceu, possivelmente a Academia ainda se lembrava do rosto do ex-carpinteiro de cenários e depois ele era oriundo dessa família dos “movie-brats”, que a Hollywood conservadora detestava!

Em Portugal, só após o sucesso estrondoso de “A Testemunha” / “Witness” e o reconhecimento do talento daquela jovem actriz, até então desconhecida de todos, foi exibido “Reuben, Reuben” / “Reuben, Reuben - Vida de Artista”. O reencontro com Kelly McGillis foi de espanto, devido à transformação operada nela: tudo era diferente.

A diversidade de papéis sempre a fascinou e segundo ela o denominado “papel tipo” destrói o actor, avaliando-se a capacidade através da transformação/metamorfose do corpo/imagem. Terá sido por isso que a jovem viúva Amish foi em “Top Gun” / “Top Gun – Ases Indomáveis” de Tony Scott, uma professora, alta e loura, de jeans coladas às pernas, colocando na ordem os alunos insubordinados. A matéria dada não era muito vulgar para uma mulher, já que os seus alunos são pilotos da marinha americana e as aulas são de estratégia militar, encontrando-se entre eles a estrela Tom Cruise que, na época, ocupou o lugar deixado vago muitos anos antes por Richard Gere no seu “Oficial e Cavalheiro”. O sucesso do filme de Tony Scott foi estrondoso e Kelly McGillis subiu mais um degrau na ascensão para o famoso “top ten” das estrelas de Hollywood.

No entanto o futuro iria revelar-se traiçoeiro, como muitas vezes sucede no Paraíso Californiano das Estrelas de Cinema, que após uma ascensão fulgurante e de desfrutarem da celebridade surge a queda quando menos se espera, devido apenas a um fim-de-semana de estreia que se revela desastroso no box-office, condenando de imediato os seus protagonistas ao inferno.

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2. Nos anos oitenta, Alan Rudolph era um dos cineastas independentes mais apreciados nas chamadas salas de cinema de arte e ensaio na América e nas célebres salas estúdio de toda a Europa; foi assim com naturalidade que fomos encontrar Kelly McGillis no interior da sua filmografia.

O “companheiro” escolhido por Alan Rudolph para estar ao lado de Kelly McGillis foi Timothy Hutton, nesse belíssimo filme intitulado “Made in Heaven” / ”Talhados no Céu”, que na época esgotou uma das salas do cinema Quarteto, onde as películas de Alan Rudolph tinham sempre lugar cativo, mas essa história comovente e surreal acabou por não servir de veículo para a actriz rumar ao sucesso, embora a sua qualidade seja perfeitamente inquestionável.

Depois foi a vez de Peter Yates, esse cineasta tão pouco valorizado, que muitos chamam de tarefeiro, mas que para nós é um verdadeiro artesão, refazer o universo hitchcockiano e situá-lo na época da caça às bruxas.

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“The House on Carroll Street” / “A Casa Suspeita” possui como “partner” de Kelly McGillis esse grande actor chamado Jeff Daniels, mas mais uma vez as atenções se desviaram da actriz e a sua carreira começou a ficar nesse território traiçoeiro intitulado o limbo artístico (recorde-se o caso de Margaux Hemingway, neta do célebre escritor norte-americano, que não resistiu ao insucesso e se suicidou). “A Casa Suspeita”, que hoje em dia navega no limbo do esquecimento, possui uma reconstituição de época excelente e todas as interpretações são memoráveis.

Muitas vezes dizemos que assaltos e roubos só acontecem aos outros, mas por vezes essas situações também terminam por nos bater à porta e foi isso precisamente que aconteceu a Kelly McGillis, quando viu a sua casa ser invadida por dois assaltantes, reflexo da violência que atinge diariamente o quotidiano na América.

Alguns apontam o facto de ela ter vivido esta terrível experiência como a principal razão que a levou a lutar como uma verdadeira felina para obter o papel da advogada no filme de Jonathan Kaplan “Os Acusados”/”The Accused”, tendo conseguido conquistar o tão desejado papel, no entanto a sua interpretação não ficou na memória de quem viu a película e foi sim Jodie Foster quem mais ganhou com o filme, terminando por receber o Oscar pela sua interpretação.

Decididamente os ventos não estavam de feição na área cinematográfica para Kelly McGillis e a televisão (telefilmes e séries) foi a opção escolhida por ela para prosseguir a sua carreira de actriz, ao mesmo tempo que o apelo do palco começava a renascer no seu interior.

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3.  Abel Ferrara é um dos grandes cineastas de culto de uma determinada geração, mas são duras e injustas as leis do mercado americano e quando Kelly McGillis aceitou ser a protagonista de “Get Chaser” baseado no romance do famoso escritor de romances policiais Elmore Leonard, nunca imaginou que a película em que contracenava com Peter Weller fosse lançada directamente em vídeo e não nas salas de cinema. Mas assim sucedeu infelizmente.

Chegávamos assim aos anos noventa do século xx e Kelly McGillis começava a sentir a carreira a fugir-lhe das mãos, como se fosse um cometa.

Nasce assim “Grand Isle” de Mary Lambert, (que na época, em Portugal, foi lançado directamente no mercado de video/aluguer), surgindo a película como uma “Kelly McGillis Production” e os resultados acabariam por se revelar desastrosos financeiramente para a actriz produtora, apesar do seu excelente desempenho, porque na realidade a  realizadora Mary Lambert não é James Ivory!

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No ano seguinte, o filme de Arthur Hiller intitulado “The Babe” / “A História de Babe Ruth” no qual Kelly McGillis contracenava com John Goodman foi um “flop” estrondoso, do género do sucedido à conhecida Annette Bening quando participou nessa comédia inenarrável intitulada “De que Planeta és Tu?” / “What Planet Are You From?” de Mike Nichols. Mas se a célebre esposa de Warren Beatty conseguiu sobreviver ao “flop”, tal como o cineasta Mike Nichols, já Kelly McGillis terminou por naufragar acabando por decidir reiniciar a sua carreira na televisão, através da série “Dark Eyes”.

Em finais dos anos noventa Kelly McGillis tenta o seu “come back” ao território cinematográfico e apesar de ter participado em três filmes no grande écran “The Settlement” de Mark Stein, “Morgan’s Ferry” de Sam Pillsbury e “At First Sight” / “À Primeira Vista” de Irwin Winkler com Val Kilmer e a Mira Sorvino nos principais papéis, na realidade foram poucos os executivos dos Estúdios que desejaram lembrar-se dela e oferecer-lhe uma nova oportunidade a esta talentosa actriz.

Assim, na passagem do milénio, surge num “thriller” de Samantha Lang, intitulado “No Monkey’s Mask” cujo tema, bastante polémico, poderá ter contribuído para a sua carreira entrar em fase “descendente”. No ano seguinte repete a receita em “No One Can Hear You” de John Laing, numa derradeira tentativa de regressar ao firmamento celeste de Hollywood, mas a verdade dos factos revelou-se bastante cruel, porque as plateias já se tinham esquecido do seu enorme talento.

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Tendo em conta o milagre que os palcos costumam fazer nas estrelas perdidas na celulóide, repare-se no bem que os palcos ingleses fizeram a tantas estrelas americanas, como sucedeu com Kathleen Turner, que relançou a sua carreira após a sua criação da célebre Mrs. Robinson, mas Kelly McGillis não procurou o Velho Continente e decidiu manter-se no Novo Mundo, embora tenha escolhido a mesma personagem, a tal Mrs. Robinson. Após uma tournée triunfal pela América em 2004, Kelly McGillis decidiu continuar nos palcos e oferecer na Broadway todo o seu talento, em busca desse lugar ao sol, que insistia em lhe escapar entre os dedos.

E assim começou por regressar primeiro ao pequeno écran através de telefilmes e depois em algumas séries de televisão, para depois visitar o grande écran, através desse continente que é o cinema independente norte-americano. Mas o que se passou com esta talentosa actriz de cinema, permanece um mistério.

Kelly McGillis foi um verdadeiro cometa de talento e os seus filmes são a prova disso mesmo!

Rui Luís Lima