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Manuscritos da Galáxia

Uma viagem pela memória do cinema através dos filmes e cineastas, movie stars, tv séries, salas de cinema.

Manuscritos da Galáxia

Uma viagem pela memória do cinema através dos filmes e cineastas, movie stars, tv séries, salas de cinema.

Salas de Cinema - Cinema Stadium!

Rui Luís Lima, 14.11.25

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Salas de Cinema - Cinema Stadium!

Gostava de ter uma capacidade de memória como a do jovem cá de casa, mas não é assim. Acho, aliás, que “colecciono” fotos e papel por ter essa “falha”.

Mas vou fazer um esforço para me lembrar e poder falar dos três cinemas que mais marcaram a minha vida, especialmente por serem os que estavam mais perto de casa e de mais fácil acesso.

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Comecemos pelo Cinema Stadium, parte integrante do edifício do Sport Algés e Dafundo, em Algés. Foi inaugurado nos anos 30, sendo o edifício da autoria do arquitecto Raúl Tojal.

Sei que foi o cinema que os meus pais mais frequentaram até eu nascer, já que a partir dessa altura os serões cinéfilos foram abandonados, porque eu não ficava com os meus avós nem por nada.

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Lá viram “Os Canhões de Navarone” / “The Guns of Navarone” de J. Lee Thompson e para sempre lhes ficou na memória. Tal era o gosto que, muitos anos depois, quando lhes ofereci o filme em VHS, viram-no de imediato (embora não deixassem de referir nessa altura que numa sala de cinema é que era!)

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Junto mais duas memórias deles: uma matinée em que foram ver “O Rei das Berlengas”, de e com o Artur Semedo, o Mário Viegas e até o Astérix e o Obélix e saíram de lá um bocadinho desencantados! Achavam que iriam ver um filme português tipo as comédias dos anos 30 e 40 (as do Vasco Santana e António Silva) e afinal não tinha nada a ver.

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Claro que esta sala de cinema também está ligada às minhas memórias através dos meus pais, devido ao célebre filme de Bernardo Bertolucci, “O Último Tango em Paris” / “Last Tango in Paris”, contando a minha mãe que na fila à frente uma senhora, bastante mais idosa, passou parte do filme com “oh!”’ e “ah!”’ e um baixinho “olha para aquilo”.

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Da minha memória, se bem que devem ter sido bastantes os filmes lá vistos, consta a película da Disney “Se a Minha Cama Voasse” / “Bedknobs and Broomsticks” de Robert Stevenson. Talvez por ter sido a primeira vez que fui ao cinema à noite! Durante algum tempo, após ter visto o filme, não resisti a tentar rodar as maçanetas das camas, sempre com uma secreta esperança, que ela voasse.

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Nos anos mais recentes, outras foram as funções desta sala. Por lá vi Teatro e Concerto de Música Clássica, numa semana de homenagem ao Zeca Afonso, respectivamente “O Diabinho da Mão Furada”, do António José da Silva, pela Barraca, sendo o Concerto de Piano, com o Maestro António Vitorino de Almeida. E até serviu para local de voto em Algés, durante as eleições, bem como sala de ensaios de uma banda.

A última vez que por lá passei estava com um ar de total abandono!

Paula Nunes Lima

Anne Fontaine - "Coco Avant Chanel"

Rui Luís Lima, 13.11.25

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Anne Fontaine - "Coco Avant Chanel"
 (França – 2009) – (105 min/Cor)

Audrey Tautou, Benoit Polvoordes, Alessandro Nivola, Marie Gillain, Emmanuelle Devos.

Anne Fontaine, antiga actriz e argumentista que se tornaria realizadora, tem-nos oferecido obras em que o elemento feminino é preponderante, revelando-se uma cineasta de mulheres, mas ao decidir levar ao cinema a vida de Coco Chanel, a mais célebre figura do mundo da moda, num universo em que os homens imperam abandona, de certa forma, as histórias do quotidiano, para nos oferecer uma espécie de biografia de Coco Chanel, convidando para protagonista Audrey Tautou. Baseando-se no livro de Edmonde Charles-Roux, a realizadora/argumentista narra-nos de início o período passado por Coco no orfanato, na companhia da irmã Adrienne. Recorde-se que ambas foram lá deixadas pelo pai, após a morte da mãe e de imediato iremos perceber como Coco sente a falta do progenitor, esperando sempre que ele a visite, o que nunca irá acontecer porque ele, após as deixar no orfanato, parte para os Estados Unidos da América, para nunca mais voltar.

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Iremos mais tarde descobrir as duas irmãs já adultas, a trabalhar num cabaret durante a noite, onde um dos números é a célebre canção “Coco”, que fará as delícias do milionário Etiene Balsan (Benoit Poelvoordes, numa excelente composição), que não hesitará em convidar as duas raparigas para a sua mesa, estabelecendo-se de imediato uma relação com Coco, já que este percebe que ela é bem diferente das outras raparigas.

Após serem despedidas do cabaret, as duas irmãs irão seguir caminhos diferentes. Enquanto Adrienne Chanel (Marie Gillain) se apaixona por um barão, com quem irá viver, apesar da família deste ser contra a relação conseguindo adiar eternamente o seu casamento, já Coco Chanel, que durante o dia trabalha como costureira, decide procurar o homem que a fez sonhar.

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No entanto, ao longo da sua estadia na mansão de Balsan, irá perceber que as mulheres para ele são apenas simples bonecas para serem usadas, tornando-se ela mesma numa espécie de acessório, que ele gosta de exibir nas festas. Lentamente Coco começa a fazer as suas próprias roupas, bem diferentes das usadas pelas outras mulheres, iniciando também a feitura dos seus próprios chapéus, bem distantes dos usados nesses anos e que irão revolucionar uma época. E apesar do amor ser até então uma simples miragem para a jovem Coco, no dia em que conhece o belo e sedutor Arthur “Boy” Capel (Alessandro Nivola), um amigo do seu anfitrião, ele transforma-se em realidade e ela rapidamente se apaixona por ele, desconhecendo que o galante jovem se irá casar em breve com uma mulher da alta sociedade inglesa, encetando uma relação amorosa com Boy, que a irá marcar para sempre.

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Anne Fontaine aponta assim as suas baterias para este período da vida de Coco Chanel, em detrimento da luta travada por ela para impor o seu estilo no universo da moda, onde então o sexo masculino dava cartas e era dominante. Na realidade, a realizadora oferece-nos uma história de amor protagonizada por Coco Chanel, prolongando as sequências em demasia, como a festa na Mansão ou o passeio até ao oceano, onde a fotografia se perde em efeitos de bilhete-postal, quando deveria ter optado por nos dar um retrato psicológico da mais célebre costureira do mundo da moda de todos os tempos, o que foi pena. Por outro lado, é notória a ausência dos meios necessários para Anne Fontaine se abalançar num filme de grande orçamento. Termina a película com uma passagem de modelos, em que vemos as mais célebres criações de Coco Chanel (Audrey Tautou vestindo o famoso casaco criado pela estilista), que nos é oferecido sem qualquer rasgo de génio, optando Anne Fontaine por um falso intimismo que não consegue levar o espectador ao patamar ambicionado, por uma película que tanto prometia e que, infelizmente, termina por se revelar uma "love story" de uma trágica monotonia, que se esquece com facilidade.

Rui Luís Lima

Albert Finney - O Actor Perfeito!

Rui Luís Lima, 12.11.25

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Albert Finney - O Actor Perfeito!

Antes de nos ter deixado a 8 de Fevereiro de 2019, Albert Finney, foi dado como morto por diversas vezes, em diversos "twitters" e múltiplas páginas no "Facebook", “lamentando o sucedido”. Seis anos depois quantos se recordam desse maravilhoso actor chamado Albert Finney?

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Como muitos actores ingleses, Albert Finney iniciou a sua carreira no Teatro, com enorme sucesso, ao mesmo tempo que surgia em diversos telefilmes e na série televisiva “Emergency Ward 10”, estreando-se no grande écran com a película de Tony Richardson “The Entertainer” / “O Comediante”, estávamos em 1960 e rapidamente Albert Finney se tornou num nome incontornável da Sétima Arte e seria precisamente sobre a direcção de Tony Richardson que o então jovem actor irá ser nomeado para o Oscar de Melhor Actor, devido ao seu deslumbrante trabalho em “Tom Jones”.

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Mas para muitos a sua imagem mais famosa surge quando veste a pele do famoso detective Hercule Poirot, criado por Agatha Christie, em “Crime no Expresso do Oriente”, sobre a magnifica realização e direcção de actores de Sidney Lumet, recordo que o filme possui um elenco de estrelas bem difícil de reunir e é inesquecível, porque nem o inigualável David Suchet, me fez esquecer a interpretação de Albert Finney, tendo sido indigitado para o Oscar.

Por mais duas vezes Albert Finney irá ser nomeado para o Oscar do Melhor Actor, em 1983 e 1984, pelos filmes "Debaixo do Vulcão"/"Under the Volcano" de John Huston e "O Companheiro"/"The Dresser" de Peter Yates, duas películas que se encontram infelizmente um pouco esquecidas neste século XXI e que bem merecem ser recordadas, pelas extraordinárias interpretações deste magnifico actor chamado Albert Finney.

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"Debaixo do Vulcão", adaptação ao celulóide da famosa obra literária de Malcolm Lowry (*), onde a vida de um homem, o ex-consul, apresenta as marcas do deserto, sendo a luz partícula integrante de um fim que se anuncia desde o início, com a célebre festa dos mortos mexicana, luz essa não revigorada pela presença da mulher (uma Jacqueline Bisset deslumbrante), que ainda ama.

“The Dresser" / “O Companheiro” vive, e muito bem, de uma soberba interpretação de Albert Finney, onde o Teatro em si mesmo, que ele tão bem conhece, resiste e luta com a vida, nesse dilema insolúvel do universo, cujo final se anuncia discreto e violento desde os primeiros fotogramas, e onde o actor Tom Courtenay, na figura do assistente do grande actor e Albert Finney, compõem uma das mais belas sinfonias de amor e indiferença que até hoje nos foi possível observar. A realização de Peter Yates e a sua direcção de actores é uma verdadeira surpresa! E mais uma vez a Academia se esqueceu de Albert Finney.

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Se fossemos escrever aqui sobre todos filmes em que Albert Finney é surpreendente e inesquecível, seria forçoso falar de muito mais películas a que ele deu vida e até me estou a recordar desse filme que adoro intitulado “Two For the Road” / “Dois Para o Caminho” em que ele e Audrey Hepburn nos narram o seu amor ao longo da vida num dos maiores e mais deliciosos “flashback “do cinema criado pela mão genial e inconfundível de Stanley Donen.

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E quando a Academia de Hollywood decidiu nomeá-lo e bem para o Melhor Actor Secundário pela sua interpretação em “Erin Brockovich” de Steven Soderbergh, todos pensámos que finalmente o bom senso tinha chegado à célebre cerimónia da atribuição dos Oscars, mas afinal estávamos redondamente enganados.

A Arte de Albert Finney permanece bem viva no cinema e sugerimos que re(veja) alguns dos filmes que referimos para recordar o enorme talento deste actor britânico descendente de irlandeses.

Rui Luís Lima

Michael Hoffman – “A Última Estação” / “The Last Station”

Rui Luís Lima, 11.11.25

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Michael Hoffman – “A Última Estação” / “The Last Station”
(Alemanha/Grã-Bretanha/Russia – 2009) – (112 min. / Cor)

Christopher Plummer, Helen Mirren, Paul Giamatti, James McAvoy, Kerry Condon.

Michael Hoffman, o cineasta de “Restauração” / “Restoration” e “O Clube do Imperador” / “The Emperor’s Club”, oferece-nos em “A Última Estação” / “The Last Station” o relato do último ano da vida do escritor russo Lev Tolstoi, numa época em que Tolstoi depois da celebridade alcançada com os seus romances, decide dedicar-se a criar um movimento utópico, para lutar contra a miséria e a injustiça de que era vítima o povo russo pelas políticas do Czar, criando uma aldeia comunitária perto da sua casa, ao mesmo tempo que na capital tinha diversos seguidores, entre os quais se destacava Vladimir Chertkov (Paul Giamatti) que, apesar de se encontrar em prisão domiciliária, mantinha contactos com o escritor; ao saber que este precisava de um novo secretário, decide enviar-lhe o jovem Valentin Bulgakov (James McAvoy), ao mesmo tempo que lhe pedia que ele lhe enviasse relatórios sobre tudo o que se passava na residência do célebre escritor.

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O principal objectivo de Vladimir Cherktov (Paul Giamatti) era conseguir que Lev Tolstoi (Christopher Plummer) cedesse em testamento os direitos autorais da sua obra ao povo russo. O tímido Bulgakov (James McAvoy) parte assim rumo à sua missão, mas ao chegar ao seu destino irá descobrir que o escritor se encontra sempre rodeado pela imprensa ávida de notícias, para além de um biógrafo que escrevia incessantemente tudo o que via e escutava, sendo também uma espécie de confidente do célebre escritor para grande terror da esposa de Tolstoi, que odiava de forma aberta os membros do movimento criado pelo marido, discordando por completo das suas opções politicas, surgindo assim uma terrível luta entre ambos, que irá levar à partida/fuga de Tolstoi da casa que compartilhava com a esposa Sofya Tolstoi (Helen Mirren), após 48 anos de matrimónio e de 13 filhos gerados pelo amor que nutriam um pelo outro.

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Com a chegada do revolucionário Vladimir Cherktov, entretanto libertado, à residência do escritor russo, fica bem visível para todos as razões que o levaram até ali: obter por escrito de Lev Tolstoi a cedência dos direitos de autor da sua obra ao povo russo. Já o tímido secretário Bulgakov irá tornar-se confidente do escritor, percebendo rapidamente os objectivos dos líderes do movimento tolstoiano nesse ano de 1910.

Lev Tolstoi irá deixar a esposa e a casa onde vivia, partindo com os líderes do movimento revolucionário para o sul da Rússia, numa longa e terrível viagem de comboio, que o irá obrigar a recolher-se numa estação, antes de chegar ao seu destino, porque se encontrava gravemente doente. Iremos assim assistir aos últimos momentos da sua vida nesse lugar, sempre com a imprensa em seu redor, ao mesmo tempo que Sofya Tolstoi, a sua esposa, tentava por todos os meios ver o marido doente, que nunca deixara de ama

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Michael Hoffman em “A Última Estação” / “The Last Station” oferece-nos a sua visão do movimento utópico criado pelo escritor russo e as suas contradições, veja-se a forma como agem os membros da comunidade, vigiados e controlados por terceiros em nome da ideologia, havendo como não podia deixar de ser essa “ovelha tresmalhada do rebanho” chamada Masha (Kerry Condon) por quem Bulgakov se irá apaixonar, ao mesmo tempo que nos relata a luta de Sofya Tolstoi para proteger o legado do marido, surgindo como uma espécie de observador isento dos acontecimentos. Mais tarde também Bulgakov se irá tornar escritor, como todos sabemos. A forma como nos é descrita a manipulação de Lev Tolstoi, já fraco e doente, por parte de Vladimir Cherktov é memorável, colocando sempre a ideologia acima dos sentimentos e vendo em Sofya uma inimiga aristocrática a abater, não olhando a meios para atingir os seus fins.

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“A Última Estação” / “The Last Station” possui uma direcção de actores magnífica, sendo comoventes as interpretações de Christopher Plummer e Helen Mirren, ambos indigitados para o Oscar, ao mesmo tempo que James McAvoy se revela um actor a seguir, enquanto Paul Giamatti nos oferece o seu melhor desempenho de sempre. Ao vermos este filme ficamos certamente a conhecer um pouco mais esse genial escritor russo chamado Lev Tolstoi, que nos deixou obras imortais como “Guerra e Paz” e Anna Karenina”.   

O Cinema do Desejo!

Rui Luís Lima, 10.11.25

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O Cinema do Desejo!

O “Desejo Pesado” e o “Desejo Leve” são termos criados por Roland Barthes, no seu ensaio “A Câmara Clara” sobre o universo da fotografia, para definir pornografia e erotismo.

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No ano de 1972 a América estava profundamente envolvida na guerra do Vietname, um país quase perdido no continente Asiático, que passou a ser bem conhecido dos americanos através das imagens chegadas através do pequeno écran. Mas nesse mesmo ano estreava-se um filme pornográfico intitulado “Garganta Funda”/ ”Deep Throat”, que iria dar que falar no novo mundo.

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Inicialmente, a película seria mais uma de uma indústria que se estava a desenvolver e cujo circuito cinematográfico de distribuição era bastante restrito, assim como o parque exibicional. No entanto as autoridades estatais decidiram encetar uma profunda perseguição ao filme e aos seus autores, sendo a película proibida em 25 Estados. Como o fruto proibido é sempre o mais apetecido e estava-se no início dos anos setenta, do século passado, os célebres anos das contestações ao poder, acabaram por ser as próprias autoridades a fazerem a maior publicidade a um filme rodado em seis dias, que custou a pequena quantia de 25 mil dollars, terminando por fazerem dele um campeão de bilheteira rendendo até hoje a fabulosa soma de 600 milhões de dollars.

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Recordamos que o bem conhecido cineasta Barry Sonnenfeld (autor de filmes como “A Família Adams” e ”Men in Black”), antigo director de fotografia, foi obrigado, numa época em que se viu sem trabalho e sem recursos económicos, a colocar um anúncio para procurar emprego na sua área, foi contratado para este “género cinematográfico”. Durante seis meses por ali esteve, bem no fundo do poço, rodando um filme em três dias, incluindo as provas de “casting”. Quando Barry Sonnenfeld conseguiu finalmente deixar o meio, confessava ele numa entrevista, levaria ainda bastante tempo para esquecer o mundo onde, por força das circunstâncias, fora obrigado a trabalhar. Já Gerard Damiano, um ex-cabeleireiro, realizador de “Garganta Funda”, nunca conseguiu sair deste ramo da indústria cinematográfica, tendo escrito o "argumento" em seis dias, o que na época era o chamado período "standard" de um filme do género.

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Quanto aos actores, a protagonista feminina de seu nome Linda Lovelace, ficou célebre por determinadas sequências, mas muitos anos depois de ter abandonado os denominados filmes “X”, iniciou uma campanha contra o dito ramo de cinema, até que faleceu num acidente de viação. As relações entre este “género cinematográfico” e outras “associações” de carácter muito duvidoso eram conhecidas de muitos, mas o filme ficou na História, porque o mundo inteiro quis saber de que tratava a película, gerando a tal famigerada quantia de milhões de dollars.

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Como refere Roland Barthes no seu célebre ensaio “A Câmara Clara” “o erotismo é o desejo leve, enquanto a pornografia é o desejo pesado”, aquele que dá a ver, não no seu esplendor, mas na sua crueza e se a pornografia nos dias de hoje é cada vez mais cruel nas cenas apresentadas, nunca foi descoberto esse “género” dentro do “género”, que é o “snuff-movie”, de que fala a película “8mm” de Joel Schumacher, protagonizada por Nicholas Cage, um “género” que certamente nunca chegou a existir.

Numa época em que o documentarismo começa a estar na moda, veja-se o caso dos filmes de Michael Moore, (onde toda a escola do documentarismo é esquecida) o produtor Brian Grazer convidou Fenton Bailey e Randy Barbato (anteriormente tinham assinado para o pequeno écran uma série sobre o cinema pornográfico, cujo narrador era Buck Henry, que co-realizou com Warren Beatty a película “O Céu Pode Esperar” e que foi transmitida no canal História) para fazerem um documentário acerca do “fenómeno ”Deep Throat”, tendo sido escolhido o sugestivo título “Inside Deep Throat” trinta anos depois. Documentário esse, que para além de ter depoimentos de gente famosa do cinema, possuía na narração do então carismáticoactor  rebelde do sistema Dennis Hooper.

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Já o conhecido cineasta Paul Thomas Anderson abordou de excelente forma essa época no famoso “Boogie Nights” / “Jogos de Prazer”, com um elenco de luxo (Burt Reynolds, Julianne Moore, Mark Walhberg, John C. Reilly, Don Cheadle, Heather Graham, William H. Macy), revelando um enorme saber na forma como caracterizou o funcionamento desta indústria cinematográfica, então nascente no vale de San Fernando. Já os documentaristas Rob Epstein e Jeffrey Friedman ao realizarem em 2013 a película “Lovelace”, ofereceram-nos um “biopic” de Linda Lovelace , tendo Amanda Seyfried, a estrela de “Mamma Mia” como protagonista, mas a película revelou-se um desastre total.

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Para uma abordagem deste "universo" haverá sempre que visionar esse espantoso filme intitulado simplesmente “Hardcore” e que em Portugal teve o inacreditável título de “Rapariga na Zona Quente”, escrito e realizado pelo genial Paul Schrader, que irá oferecer a George C. Scott, uma das maiores interpretações da sua carreira. E se muitos acharam moralista o final da película, foi porque simplesmente não viveram na época retratada por Paul Schrader, que entrou numa sala de cinema pela primeira vez aos 21 anos.

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Terminamos como iniciámos com a pergunta: será a Pornografia um género cinematográfico?

A resposta já foi dada por Roland Barthes, no livro “A Câmara Clara”, porque o desejo leve, aquele que se dá a descobrir em todo o seu esplendor será sempre o mais belo.

Se olharmos a História do Cinema em busca do tão famoso erotismo, iremos descobrir, o mais belo beijo de sempre em “Rear Window”/ ”Janela Indiscreta”, quando Grace Kelly entra no apartamento de James Stewart e debruçando-se sobre ele, o beija longamente nos lábios, enquanto o seu cabelo acaricia a pele do ser amado.

Rui Luís Lima

Robert Redford - “Regra de Silêncio” / “The Company You Keep”

Rui Luís Lima, 09.11.25

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Robert Redford
“Regra de Silêncio” / “The Company You Keep”
(EUA/Canada – 2012) – (125 min./Cor)
Robert Redford, Shia LaBeouf, Julie Christie, Susan Sarandon, Nick Nolte, Chris Cooper, Stanley Tucci, Richard Jenkins, Sam Elliott, Brendan Gleeson.

O último filme realizado por Robert Redford, intitulado “Regra de Silêncio” / “The Company You Keep”, é uma verdadeira obra-prima do cinema.

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O cineasta, que aqui também surge como protagonista, foca a história de um conjunto de pessoas que nos célebres anos 60, do século passado, formaram um grupo politico que desenvolveu diversas acções de protesto contra a guerra do Vietname, mas que um dia ultrapassou os limites da sua acção, com muitos deles a viverem décadas depois com novas identidades, uma outra vida, mas que irão ver o seu passado regressar à ribalta, quando um desses membros decide entregar-se ao FBI, trinta anos depois, porque sente a necessidade de expiar a sua culpa, levando a que a investigação de um jornalista, em início de carreira, termine por abrir uma verdadeira caixa de pandora.

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“Regra de Silêncio” / “The Company You Keep”, de Robert Redford, é também um filme inesquecível pelo número de talentosos actores que reúne, nomes que marcaram gerações e que permanecem nessa constelação de estrelas incontornáveis, na memória da Sétima Arte e de uma legião de cinéfilos, entre os quais me encontro.

Nota: Este filme é exibido nos canais por cabo disponíveis no nosso país.

Rui Luís Lima

Woody Allen - “Para Roma Com Amor” / “To Rome With Love”

Rui Luís Lima, 08.11.25

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Woody Allen
“Para Roma Com Amor” / “To Rome With Love”
(EUA / Itália / Espanha – 2012) – (112 min./Cor)
Woody Allen. Penelope Cruz, Judy Davis, Ellen Page, Roberto Begnini, Alec Baldwin.

Depois do genial “Meia-Noite em Paris” / “Midnight in Paris”, era impossível fazer melhor e desta vez Woody Allen, o cineasta que todos os anos nos oferece um novo filme, já lá vão décadas, parte com “armas e bagagens” para Roma e realiza a película “Para Roma Com Amor” / “To Rome With Love”, um desses filmes totalmente preenchido com as bens conhecidas matrizes do cineasta norte-americano, que trocou o Novo Mundo pelo Velho Continente.

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“Para Roma Com Amor” oferece-nos várias histórias entrecruzadas, sendo uma delas uma citação ou “remake moderno” do genial “O Sheik Branco” de Federico Fellini, refiro-me ao segmento dos recém-casados que chegam a Roma e ela desaparece, deixando o marido sozinho no hotel à espera da família.

Já o segmento sobre o fabrico das celebridades nos tempos modernos, com o senhor Leopoldo (Roberto Begnini), está perfeito até chegar esse momento em que o contido e controlado Roberto Begnini, até então excelente, dá lugar ao expansivo Roberto Begnini e aqui o filme perde em toda a linha.

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Por fim a genial prestação de Ellen Page, na figura dessa aspirante a actriz famosa ao saber que foi convidada para um filme, em que mergulhamos nos tristes “making of” que surgem nos dias de hoje nos DVD, em que tudo é fantástico, os colegas são os melhores, o realizador genial, o filme o que mais adoraram fazer e “por aí fora” ou seja um universo cinematográfico mais-que-perfeito...

Woody Allen permanece o mesmo cineasta genial que descobri um dia, em 1974, ao ver no saudoso Jardim Cinema o seu filme “Bananas” e desde então nunca mais perdi um filme dele!

Nota: Esta película passa regularmente nos canais por cabo dedicados ao cinema.

Rui Luís Lima

Salas de Cinema - Cinema Europa!

Rui Luís Lima, 07.11.25

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Salas de Cinema - Cinema Europa!

Tenho de confessar que tenho uma estima muito particular pelo Cinema Europa e já vão perceber porquê! Mas vamos primeiro aos factos ou seja o seu nascimento em 1930, quando a zona de Campo de Ourique até parecia estar na periferia da capital, sendo o seu responsável o Arquitecto Raul Martins, que também iria assinar o nascimento do famoso Jardim Cinema, tendo a sala do Cinema Europa uma plateia e um balcão, os quais irão desaparecer quando em 1958, foram efectuadas enormes alterações na sua estrutura pelo Arquitecto Carlos Antero Ferreira, criando a célebre e sublime Plateia em rampa, que proporcionava ao espectador condições únicas de visibilidade para o écran, especialmente para aqueles que, como eu, tinham apenas um digito terrestre na idade.

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Foi assim no Cinema Europa que descobri esse célebre comediante chamado Louis de Funés e “O Gendarme de Saint-Tropez” / “Le Gendarme de Saint-Tropez”, realizado por Jean Girault, tornando-me de imediato fan deste memorável actor francês. Mas seria também aqui que a minha mãe e avó e o senhor do bar do cinema perceberam que não valia a pena tentarem dar-me gato por lebre ou seja, durante a minha infância nunca fui menino de doces, mas gostava de um chocolate chamado “Candy-Bar”, mas já não havia nesse dia no bar do cinema e se não havia, também não queria outro. Então estes três amáveis adultos tentaram “oferecer-me” um outro chocolate, mas mantive-me firme na recusa e foi a minha mãe que comeu o chocolate que o cavalheiro lhe recomendou e depois lá fomos continuar a ver "Les Charlots"!

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Les Charlots eram os Malucos, um grupo de jovens franceses que só faziam asneiras, sendo um dos actores o português Luís Rego, que sempre trabalhou em França e que ainda recentemente vimos num dos episódios da série “Candice Renoir”, esta troupe que andou nas salas de cinema na década de setenta teve enorme sucesso nas bilheteiras, incluindo no nosso país, mas hoje neste século amnésico, quem se lembra deles? Possivelmente só um executivo de um Estúdio de Hollywood para lhes copiar os gags!

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Um dos filmes mais marcantes que vi no Cinema Europa foi “As Sandálias do Pescador” / “The Shoes of The Fisherman” de Michael Andersen, em que aprendi que o mundo estava dividido por um muro e um dia um homem oriundo desse outro lado chamado Kiril Pavlovich Lakota, um simples Arcebispo, iria chegar a Papa, embora na realidade ele se chamasse Antonio Rudolfo Oaxaca Quinn, fosse mexicano e se tornasse célebre em Hollywood com o nome de Anthony Quinn e nos meios mais populares, com o cognome de Zorba, o Grego! Este filme que me marcou bastante, contava também com o célebre “Fugitivo” da série de televisão, o actor David Janssen, e abriu-me os horizontes.

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Quem me conhece, sabe que tenho uma profunda admiração pelo cinema francês e pela cultura francesa, especialmente no que diz respeito ao Cinema, Literatura e Belas-Artes, porque podemos continuar a ver o Jean-Paul Belmondo a fumar aqueles cigarros todos no “Acossado” de Godard e não temos as pistolas no “E.T.”  de Steven Spielberg a serem substituídas por telemóveis. Mas vamos ao que interessa ou seja essa bela película intitulada “A Solteirona” / “La vieille fille” de Jean-Pierre Blanc, com a Anne Girardot, a Marthe Keller, a Edith Scob e a Maria Schneider, porque neste filme o cinema e a vida respiram pelos fotogramas e aqui já começava a cultivar essa estranha “coisa” hoje em dia tão fora de moda que é a cinefilia.

O Cinema Europa foi uma das minhas salas favoritas, com a sua plateia em rampa, possivelmente já perceberam que não sou fan de balcões, mas se gostava tanto de ir ao cinema Europa, porque andava na Escola Manuel da Maia, no Ciclo Preparatório, também foi aqui que cometi esse pecado, pela primeira vez, tantas vezes repetido, nos meus tempos de estudante, de faltar às aulas para ir ao cinema!

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Nessa tarde só tinha duas aulas e então decidi ir conhecer o deserto. ou melhor ir ver o “Lawrence da Arábia” / “Lawrence of Arabia” de David Lean, mas como só tinha entrado nos dois dígitos da idade terrestre à pouco tempo, não percebi como esse filme iria ser longo e assim, quando aqueles árabes todos começaram a decidir a divisão do Médio-Oriente, sentados a uma mesa com todos a discutirem e sem ninguém se entender (discussão essa que continua nos dias de hoje, sem fim à vista), comecei a olhar para as horas e desde esse momento até terminar o filme tinha dois “écrans” no meu ângulo de visão: o da tela e o do relógio! E quando o filme terminou, saí disparado da sala, conseguindo descer a Calçada da Estrela mais depressa que o 28 da Carris e quando cheguei a casa a minha avó disse:

- Vens cansado por onde andaste?

- Decidi vir a pé pelo Jardim da Estrela e só depois reparei nas horas.

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No dia seguinte a minha avó deu-me o bilhete do cinema que tinha esquecido no bolso das calças e recomendou-me que nada dissesse à minha mãe.

O magnífico Cinema Europa fechou as portas como Templo da Sétima Arte em 1981, foi transformado em Estúdio de gravação de televisão e recentemente viu nascer ali uma Biblioteca, fazendo parte da rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa.

Rui Luís Lima

Mira Nair - “O Fundamentalista Relutante” / “The Reluctant Fundamentalist”

Rui Luís Lima, 06.11.25

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Mira Nair
“O Fundamentalista Relutante” / “The Reluctant Fundamentalist”
(EUA/Grã-Bretanha/Qatar – 2012) – (130 min./Cor)
Riz Ahmed, Liev Schreiber, Kiefer Sutherland, Kate Hudson, Martin Donovan.

Foi no ano de 1988 que muitos de nós fixámos o nome da cineasta Mira Nair e digo cineasta porque ela é muito mais que uma realizadora, porque nos seus filmes a sua assinatura é bem patente e mais uma vez neste magnifico filme intitulado “O Fundamentalista Relutante”, ela regressa a esse tema que invadia o seu belo “Mississipi Masala”, a famosa cor da pele, que aqui nos surge através da relação entre o paquistanês Changez (Riz Ahmed, fixem o nome) e a norte-americana Erica (uma surpreendente Kate Hudson, morena), que serão vítimas da reacção ao célebre atentado às torres gémeas em New York.

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Depois temos o regresso desse homem da finança, que abandona tudo para regressar à sua terra natal, para descobrir como o futuro que lhe está reservado é uma enorme teia de enganos, onde se irá cruzar com o “jornalista” Bobby Lincoln (o sempre excelente Liev Schreiber), cujo nome é já de si uma enorme teia de referências contraditórias, tal como a sua personagem. Mais uma vez Mira Nair nos oferece um filme extraordinário, repleto de pequenas histórias nas entrelinhas ou no raccord dos fotogramas se preferirem uma leitura cinéfila.

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Numa época em que a programação cinematográfica no pequeno écran, se revela de uma das mais pobres de sempre, porque quantidade não é sinónimo de qualidade, a exibição regular de “O Fundamentalista Relutante” / “The Reluctante Fundamentalist”, nos canais dedicados ao cinema, revela-se uma verdadeira lufada de ar fresco!

Rui Luís Lima

David Hemmings - The «Blow-Up» Photographer!

Rui Luís Lima, 05.11.25

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David Hemmings - The «Blow-Up» Photographer!

Muitas vezes, ao vermos um filme, terminamos por recordar a carreira dos actores que descobrimos no écran, mas no caso de David Hemmings sucedeu-me quando escutei o álbum “Journey to the Center of the Earth” de Rick Wakeman, cuja narração é feita precisamente por David Hemmings, nessa época de ouro do Rock Progressivo.

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Mas se me falarem do meu filme favorito com este actor, ele é “Blow-Up – História de um Fotógrafo” / “Blow-Up”, realizado por Michelangelo Antonioni. A acção da película, como alguns devem estar recordados, passa-se na “Swinging London” da década de sessenta, séc. xx, e ao longo do filme iremos seguir Thomas (David Hemmings) até chegar a esse momento fulcral em que o acompanhamos num dos seus passeios por um Parque Londrino, onde as fotografias que tira irão revelar um assassinato, que ficará perdido na memória do tempo, após o desaparecimento do corpo, assim como do roubo do rolo de negativos, depois do seu encontro com a bela e inesquecível Jane (Vanessa Redgrave).

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David Hemmings, que durante a infância tinha sido intérprete lírico de obras de Benjamin Britten, nunca escondeu a sua paixão pelo cinema, tendo até passado para detrás da câmara, realizando a película “Just a Gigolo” com um trio de actores de luxo constituído por David Bowie, Marlene Dietrich e Kim Novak, nascendo um desses “cult-movies” que bem merece ser (re)descoberto.

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Actor em mais de cem filmes e séries, alguns com realização sua, David Hemmings, cujas últimas aparições no grande écran foram em personagens secundárias, em filmes como “Gladiador”, “Gangs de Nova Iorque”, “Liga de Cavaleiros Extraordinários” e “Jogo de Espiões”, será sempre recordado por “Blow-Up”, e a imagem dele a devolver a bola imaginária ao grupo de “mods”, que jogavam um estranho jogo de ténis, no final da película realizada por Michelangelo Antonioni, permanece bem viva na memória de todos os cinéfilos!

Nota: O filme "Blow-up" de Michelangelo Antonioni com David Hemmings no protagonista está a ser exibida no canal "StarMovies" no pequeno écran.

Rui Luís Lima